Empresa Individual de Responsabilidade Limitada

A Lei nº 12.441 de 11 de julho de 2011 introduziu o inciso VI ao art. 44 do Código Civil, criando a EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), descrita no art. 980-A do Código Civil.
A EIRELI é uma nova espécie de Pessoa Jurídica (art. 44, VI, CC) em que há afetação de patrimônio (limitação de responsabilidade).
A princípio, a EIRELI permitiria que qualquer pessoa jurídica constituísse subsidiária integral, embora o extinto Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), atual DREI, através da Instrução Normativa nº 117, proíba, contra legem, a constituição de EIRELI por pessoa jurídica.

EIRELI E O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
Apesar de redundante, a expressão “Empresário Individual” identifica a pessoa natural que exerce a empresa, diferenciando a empresa que é exercida por uma sociedade (sociedade empresária). Tal expressão agora também serve para diferenciar a pessoa natural que exerce a empresa pessoalmente
(sem personalidade jurídica própria) da EIRELI que tem personalidade jurídica própria.
No Brasil, a expressão sociedade unipessoal serve para identificar a sociedade que, por algum motivo, deixou de ter a pluralidade de sócios. Tal possibilidade é prevista no art. 1033, IV, CC e no art. 206 da Lei 6.404/76 (princípio da preservação da empresa).
Havia a previsão de duas outras possibilidades de Pessoa Jurídica unipessoal: A subsidiária integral de Sociedade Anônima (arts. 251 e 252 da Lei 6.404/76) e a empresa pública unipessoal (art. 5º, II, Decreto-Lei 200/67).

EIRELI COMO PESSOA JURÍDICA
O art. 44 do Código Civil estabelece:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações.
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos.
VI- as empresas individuais de
responsabilidade limitada

Portanto, a EIRELI tem personalidade jurídica própria, assim como as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos.

CRÍTICAS À REDAÇÃO DA LEI
Quanto à nomenclatura, o legislador confunde o sujeito (empresário) com a atividade exercida (empresa).  O correto seria chamar-se “Empresário Individual de responsabilidade limitada”.
O caput do art. 980-A contém, ainda, duas impropriedades:

“Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será  constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País”.

Ora, como pode ter capital social se a EIRELI não é uma sociedade. Deveria o legislador ter utilizado o termo “capital inicial” ou “capital afetado”.
Ademais, o art. 7º, inciso IV, da Constituição Federal, determina que o salário mínimo seja nacionalmente unificado, de forma que não há que se falar em maior salário mínimo, já que há um único salário mínimo.

LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE
A separação ou afetação patrimonial é a grande vantagem em constituir uma EIRELI. Diante do veto presidencial ao parágrafo 4º do art. 980-A, pode-se afirmar que a limitação de responsabilidade se operará nos mesmos moldes que ocorre com a sociedade limitada, por força do parágrafo 6º deste mesmo artigo.
O citado parágrafo 4º foi vetado por conta da expressão “em qualquer situação”, o que poderia gerar uma limitação absoluta de responsabilidade.

“§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente (VETADO)”.

Certo é que atualmente a desconsideração da personalidade jurídica e responsabilização dos sócios sem o devido processo legal tem se tornado comum em nossos tribunais. Entretanto, não é pela criação de uma nova espécie de pessoa jurídica que o problema deve ser solucionado.
O poder legislativo deve enfrentar a questão da desconsideração de personalidade, estabelecendo critérios objetivos e o procedimento adequado para a desconsideração também para as sociedades cuja responsabilidade dos sócios seja limitada ao capital investido.
No nosso entender, a desconsideração da personalidade deveria ocorrer através de procedimento próprio e levar em conta somente critérios objetivos.

CAPITAL MÍNIMO
A instituição de um capital inicial mínimo de 100 salários mínimos pode desestimular o uso dessa espécie de Pessoa Jurídica.
Esse capital deverá ser totalmente integralizado no momento da instituição.

NOME EMPRESARIAL
O §1º do art. 980-A estabelece:
O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão “EIRELI” após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada.
Outra impropriedade é a adição da expressão “social” após denominação, já que social refere-se às sociedades. O certo é que o nome da EIRELI deve respeitas as regras previstas no art. 1155 e seguintes do Código Civil e conter a expressão EIRELI ao final.

INSTITUIÇÃO DE EIRELI POR PESSOA JURÍDICA
O caput do art. 980-A não veda a instituição de uma EIRELI por Pessoa Jurídica:

“Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País”.

E o §2º deixa claro a possibilidade de instituição de mais de uma EIRELI por pessoas jurídicas:

“§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”.

Entretanto, o item 1.2.11, do Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, instituído pela Instrução Normativa DNRC nº 117, proíbe a constituição de EIRELI por pessoa jurídica:

“1.2.11 – IMPEDIMENTO PARA SER TITULAR
Não pode ser titular de EIRELI a pessoa jurídica, bem assim a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por lei especial”.

Ora, tal disposição é totalmente contrária à lei, já que, como visto, a lei não proíbe a constituição de EIRELI por pessoa jurídica.
A constituição da República estabelece no art. 5º, inciso II:

“II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”

Portanto, uma Instrução Normativa não pode sobrepor-se à lei. Não pode o executivo, através da regulamentação da lei, criar normas não previstas na lei.
Insta observar que se o legislador quisesse excluir as pessoas jurídicas daqueles que podem constituir EIRELI o teria feito expressamente e, ainda, se as pessoas jurídicas estivessem excluídas, não haveria razões para que no parágrafo 2º do art. 980-A, o legislador mencionasse a pessoa natural.
Ora, se somente a pessoa natural pudesse constituir EIRELI, não haveria porque o legislador distinguir que as pessoas naturais somente podem constituir uma única EIRELI. A Lei não contém palavras inúteis.
Em verdade as pessoas naturais podem constituir uma única EIRELI e as pessoas jurídicas podem constituir múltiplas EIRELIs.

TRANSFORMAÇÃO EM SOCIEDADE
A EIRELI poderá se transformar em uma sociedade (admitindo-se um ou mais sócios) e as sociedades poderão se transformar em EIRELI, por expressa previsão do §3º:

“§ 3º A empresa individual de  responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração”.

O art. 1033 do Código Civil assim prevê:

“Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
(…)
IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias;
(…)
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código”.

ADMINISTRAÇÃO
A EIRELI poderá ser administrada por qualquer pessoa natural (o instituidor ou pessoa por ele indicada), assim como as sociedades limitadas.
Não é possível a administração da EIRELI por pessoa jurídica administradora (art. 997,VI, CC por força do art. 1053, CC c/c art. 980-A, §6º).

EIRELI COMO ME ou EPP
Não existe qualquer incompatibilidade da EIRELI se enquadrar no regime tributário das ME ou das EPP,  desde que preencha os pressupostos exigidos pelo art. 3º da Lei Complementar 123/2006.
Porém, independentemente da sua receita bruta, a EIRELI, por se tratar de pessoa jurídica, não pode se beneficiar das regras específicas do microempreendedor individual (MEI) a que se refere o art. 68 da Lei Complementar 123/2006, pois esse último dispositivo tem aplicabilidade restrita às pessoas naturais.

DIREITO ESTRANGEIRO
Em Portugal, o Decreto-lei 248/86, de 25 de agosto, criou o estabelecimento mercantil individual de responsabilidade limitada (EIRL), substituída pela sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, pelo decreto-lei 257/96, de 31 de dezembro, que reformou o Código das Sociedades Comerciais Português. As sociedades unipessoais tiveram enorme sucesso em toda a Europa.
Na prática, no Direito Empresarial Internacional, tem prevalecido à adoção de tipos únicos de estruturas empresariais, assim embora tecnicamente a nomenclatura seja incorreta, internacionalmente o que se vê é a existência de empresa ilimitada (Unlimited Liability Company), empresa limitada (Limited Liability Company) e corporação (Incorporated), esta última com a possibilidade de ações negociáveis em bolsa de valores ou mercado de balcão. De forma que cada uma dessas estruturas pode ter um ou mais sócios e estes podem ser pessoas naturais ou jurídicas.

CONCLUSÃO
A EIRELI constitui um avanço para a legislação empresarial brasileira, mas poderia o legislador ter sido mais técnico e ter evitados as impropriedades que cometeu na redação do texto legal.
Quanto à limitação da responsabilidade, essa seguirá os mesmos moldes da sociedade limitada, estando sujeita à desconsideração.
A grande vantagem da EIRELI é o fim do uso de sócios com participação mínima no capital social somente para a obtenção da limitação da responsabilidade.
Socialmente, sua existência é relevante, pois esses sócios com participação social mínima, nenhuma ingerência na administração ou participação nos lucros, chamados popularmente de “laranjas”, muitas vezes respondiam, com seu patrimônio pessoal, por débitos sociais decorrentes de fraudes cometidas pelo sócio de fato.
Diante disso, a inclusão da EIRELI no Ordenamento Jurídico brasileiro é positiva, mas o instituto poderia ser mais bem legislado e a experiência internacional poderia ter auxiliado o legislador na criação de um modelo mais
simples e unificado de direito empresarial.

Escrito em julho de 2011 e Publicado originalmente na Revista – E- FAPPES, São Paulo, vol.01, no. 03, jan.- jul, 2012.

A ineficácia da limitação do uso de EIRELI por pessoa natural

A EIRELI, denominada pelo legislador como Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, é um instrumento importante para que um único titular institua uma Pessoa Jurídica.

Entretanto, sem qualquer razão plausível, o legislador limitou o número de EIRELI por pessoa natural (parágrafo 2º, do art. 980-A, do Código Civil):

“§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”.

Tal disposição é totalmente ineficaz, pois o instituidor de uma EIRELI pode ser sócio desta EIRELI em quantas sociedades Limitadas quiser.

Por exemplo: Ticio Livio institui uma EIRELI, Liv Participações EIRELI. Ticio e Liv Participações EIRELI celebram três contratos de sociedade, instituindo as sociedades limitadas: Mercadinho Liv Ltda, Construtora Liv Ltda e Liv Consultoria Empresarial Ltda.

Ticio é a única pessoa natural que figura em todas as Pessoas Jurídicas.

Diante do exposto, concluí-se que a limitação legal no número de pessoas jurídicas unipessoais que uma pessoa natural pode instituir é totalmente ineficaz, podendo ser facilmente ser operacionalizada.

 

Sociedades Estrangeiras no Brasil

Com frequência confunde-se a capacidade civil de pessoa jurídica estrangeira com a sua capacidade funcional. A capacidade civil permite que ela seja entendida como sujeito de direitos enquanto que a capacidade funcional regula a performance de suas atividades em território Brasileiro. Grande parte desta confusão pode ser atribuída à redação do art. 1134 do Código Civil:

Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira.

Uma pessoa jurídica estrangeira não necessita obter autorização governamental para deter capacidade civil. O artigo 1134 do Código Civil prevê que a pessoa jurídica somente poderá funcionar no Brasil, mediante autorização do Poder Executivo. É fundamental destacar que esse artigo não regula a capacidade civil da pessoa jurídica, mas sim a sua capacidade funcional. Nesse sentido, o seu reconhecimento como pessoa jurídica independerá de qualquer autorização governamental. A pessoa jurídica estrangeira terá personalidade jurídica no Brasil, sem necessidade de qualquer aprovação especial, desde que a lei do Estado de sua constituição lhe confira a qualidade de pessoa jurídica.
Não precisará de autorização para celebrar contratos ou para que seja admitida em juízo, ativa ou passivamente, a fim de pleitear direitos decorrentes de seu funcionamento regular fora do Brasil.
Corroborando com o entendimento de que pessoas jurídicas estrangeiras podem figurar como parte em qualquer demanda judicial, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que citações e intimações para sociedades estrangeiras não devem ser feitas à pessoa jurídica nacional, cujas quotas são detidas pela sociedade estrangeira, mas sim diretamente à sociedade estrangeira que figure na demanda judicial.
No que se refere a celebração de contrato de sociedade, a pessoa jurídica estrangeira poderá celebrar contrato de sociedade. Esta sociedade criada será nacional, pois constituída de acordo com as leis brasileiras (art. 1126, CC). O fato de todos os sócios serem estrangeiros e o capital social também ser não tem relevância, pois a sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios.
Portanto, para que a sociedade estrangeira possa exercer direitos civis no Brasil não é necessária qualquer autorização. É necessária autorização do Poder Executivo para que a sociedade estrangeira possa funcionar no Brasil, mas se tal sociedade constituir sociedade brasileira, esta independerá de qualquer autorização.